sábado, 23 de agosto de 2008

FAZER AS MUDANÇAS POSSÍVEIS



Fazer as mudanças possíveis

José Manuel Moran

Professor de Comunicação, Educação e Tecnologias *

Algumas perdas profissionais ou emocionais podem ser significativas e gerar uma nova consciência, postura e atitude. O sofrimento pode ser um degrau para a mudança, dependendo da forma de encará-lo.

A percepção de uma nova situação mais realizadora pode ser um estímulo para a mudança, assim como o exemplo de alguém. A decisão de outras pessoas envolvidas pode facilitar a nossa. Se alguém próximo se separa ou falece, temos que mudar. Podemos mudar também quando percebemos a possibilidade de perder a pessoa amada.

É freqüente a idéia de que mudar implica deixar tudo o que fazemos e dar uma guinada radical: deixar a cidade, o emprego, a família. Em muitas situações pessoais, não é necessário deslocar-nos fisicamente, mas aprender a deslocar o nosso foco, o nosso olhar. Enxergar com afeto, com atenção, com paciência nosso interior e os elos que criamos.

Podemos mudar muito sem sair do lugar e “sassaricar” de cá para lá e mudar só na aparência. O importante não é a quilometragem percorrida, mas a qualidade da percepção, afeto e ação que desenvolvemos. Se percebemos mais, amamos mais e agimos com mais coerência, mudaremos profundamente por dentro.

Ao mudar por dentro, ao desenvolver um novo olhar e uma prática mais aberta, tomaremos decisões que poderão levar-nos também a mudanças físicas, de lugar, de trabalho, de parcerias. Ou também podemos rever a forma de nossos relacionamentos e torná-los verdadeiramente comunicativos.

Os seres humanos são complexos, com muitas nuances e contradições. Pessoas que têm iniciativa profissional e são empreendedores podem ser dependentes de uma relação afetiva ou se tornar escravos de uma paixão ou mania. Todos têm dificuldades e facilidades. Em alguns campos, somos bons; em outros nos complicamos.

É possível mudar? Vale a pena mudar? Vale a pena se for com coragem, constância, coerência e humildade. Algumas decisões são mais fáceis ou viáveis. Outras representam o esforço de toda a nossa vida. É importante focar em primeiro lugar o que fazemos bem e com maestria, além de nossas qualidades. Isso facilita as mudanças possíveis. E depois olhar para nossas pedras no sapato – nossos defeitos e problemas – e tentar diminuí-los, trabalhá-los, acompanhá-los com atenção.

Nenhuma mudança é duradoura se não estivermos intimamente convencidos ou não a quisermos profundamente . Quando mudamos por causas externas (por pressões pessoais ou profissionais), voltamos atrás na primeira chance que encontramos.

A educação nos ajuda a clarear horizontes, definir escolhas, vivenciar situações e encontrar apoio nas experiências de outros. Mas a mudança só acontece quando, por dentro, estamos prontos, quando estamos querendo de verdade, quando alguma situação se tornou tão insuportável que lhe damos um basta profundo e radical, o que nos impulsa para outros caminhos. Apesar disso, precisamos ficar atentos para que os velhos hábitos, as velhas crenças e medos não se apoderem de nós, passado o primeiro impulso da mudança.

É importante reconhecer nossas qualidades, valorizá-las, destacá-las e buscar formas de colocá-las em prática, escolhendo situações em que elas sejam mais testadas e necessárias. Ficar atentos ao que acontece e ir antecipando-nos, prevendo, testando, avaliando. Somos chamados a realizar grandes vôos. Podemos ir muito além de onde estamos, de onde imaginamos e de onde os outros nos percebem.

Podemos modificar nossa percepção aprendendo a aceitar-nos e a gostar plenamente de nós mesmos, como somos, sem comparações nem desvalorizações, quando ninguém nos vê, quando não temos que representar, e ir adiante, no nosso ritmo, acreditando no nosso potencial.

A vida é repetição e mudança. Em alguns campos, avançamos mais rápido, em outros nos arrastamos “ziguezagueando”, a passo de lesma. O importante é querer sempre aprender e tentar mudar tudo o que nos for possível, sem exigir-nos o que nos sobrecarrega demais. Vale a pena aprender a encontrar o nosso próprio ritmo de mudança e implementá-lo com humildade e confiança.

Contradições nas mudanças pessoais

São válidos os livros de auto-ajuda. A idéia de que podemos tudo e de que tudo depende de nós, da nossa atitude, é extremamente sedutora. Mas, infelizmente, simplista. Vale como estimuladora de atitudes pró-ativas, de impulsionar-nos para a mudança. Mas não podemos tudo.

Há limites objetivos em muitos campos: uns têm umas qualidades, outros têm outras. Nossa história acumula experiências, crenças, procedimentos que podem, em parte, ser modificados, mas, como roteiros internalizados, são sempre os primeiros a ser mobilizados diante de cada nova situação. Tendemos a repetir processos, escolhas e procedimentos, na maior parte das vezes. Somente quando estamos preparados para um salto de qualidade na aprendizagem com a experiência, com a vida, podemos afastar-nos, ao menos parcialmente, das escolhas prévias.

É possível mudar, mas não é tão fácil para a maioria . Há muitas mudanças que são somente aparentes: separar-se de alguém é uma mudança, mas pode ser mais aparente do que real se levar a novas escolhas próximas das anteriores ou se repetir na seqüência padrões familiares. Algumas pessoas aprendem e mudam, outras parece que aprendem e repetem modelos.

Percebe-se a complexidade da mudança nas atitudes das pessoas diante da decisão de deixar de fumar. Algumas tentam largam o vício, vão e voltam, mas não conseguem efetivamente abandoná-lo. Outros não conseguem deixá-lo até que são confrontados com uma situação radical: um câncer de pulmão, a perspectiva de morte; ou quando alguém querido lhe dá um ultimatum : “ou o cigarro ou eu”. Se o valor vida ou a relação afetiva são muito fortes, é possível levar à mudança. Até mesmo esses impasses não levam necessariamente alguns a deixar o vício. Uns mudam para sempre, deixam o patamar anterior e agem de forma diferente, enquanto outros mudam temporariamente e, diante de outras circunstâncias, voltam a situações passadas.

Há algumas ilusões no processo de mudança : pensar que mudando de ambiente, nossa vida mudará automaticamente. É comum ouvir: “quero morar em tal cidade, país, na praia” e achar que isso é determinante para estar bem. Sem dúvida, há um componente no ambiente escolhido que pode contribuir para acalmar ou facilitar algumas situações, mas somente o ambiente não nos muda, porque nós sempre vamos com nossa casa às costas: nossos valores, crenças, percepções e formas de escolher e avaliar, com uma determinada relação entre pensamento e ação.



* Trecho do livro Desafios na Comunicação Pessoal. São Paulo: Paulinas, 2007. p.88-89 e 96-99.

domingo, 17 de agosto de 2008

AS MUDANÇAS PERTO DE NÓS



As mudanças perto de nós

José Manuel Moran

Professor de Comunicação, Educação e Tecnologias *

Mudam as pessoas, os bairros, as relações homem-mulher, as famílias, as formas de trabalho, as empresas, as tecnologias de comunicação e as formas de divertir-se e estudar. Tudo está girando numa velocidade vertiginosa na cidade grande. O trânsito não pára. As pessoas se agitam num incessante vai-e-vem. Parecem sempre atrasadas e muito ocupadas, ao menos consigo mesmas. Em casa, dezenas de canais de televisão disputam nossa atenção dia e noite. Andamos com freqüência preocupados, cansados. Não sobra tempo para nada. E o ritmo vai acelerando-se.

Há mudanças drásticas no mundo do trabalho. As empresas estão substituindo todas as tarefas de rotina, previsíveis, por soluções tecnológicas, programas ou equipamentos. Procuram pessoas mais preparadas e criativas, que saibam resolver problemas, que trabalhem bem tanto individualmente como em grupo e que sejam extremamente eficientes. Mais pessoas começam a trabalhar em casa, conectadas com outros departamentos e pessoas, prestando serviços à mesma ou a mais de uma empresa, participando interativamente de projetos com gente que tanto pode estar perto como longe. Aumenta o número de empreendedores, autônomos e pequenas organizações, em todos os setores.

Participamos de mudanças profundas nas relações interpessoais. Mudam os papéis do homem, da mulher e o conceito de família: sua duração, configuração e amplitude. A mulher vem ocupando novos espaços no trabalho, no lazer, na política e nas relações afetivas. Aumenta o número de homens e mulheres que moram sozinhos.

Novos problemas são colocados, inimagináveis poucas décadas atrás: a possibilidade real de “clonar” pessoas (criar duplos de nós mesmos – assim como já o fizeram com animais), de poder escolher o sexo dos filhos e de interferir em todas as fases da vida, da gestação até a morte. Alguns hospitais utilizam na UTI um programa de computação que orienta a decisão de quando não vale mais a pena manter vivo um paciente.

A humanidade sempre aprendeu a conviver com inovações, mas atualmente a sucessão delas é alucinante e a quantidade de implicações, freqüentemente desconhecida. A sociedade está mudando em todos os países, em todas as instituições e em todos os campos. O trabalho adquire uma dimensão central também na vida das mulheres. E a maioria considera que o sucesso depende do próprio esforço, de preparar-se melhor, trabalhar bastante e competir para chegar aos melhores cargos.

A sociedade cada vez mais nos pressiona para estarmos permanentemente atualizados. Não podemos parar de estudar, de informar-nos. Isso implica ficarmos abertos às mudanças que se fizerem necessárias. A sociedade urbana vem mudando rapidamente valores, concepções de vida, formas de entender, sentir e comunicar-se. Os modelos de família se modificam, as pessoas preferem buscar a sua própria realização a submeterem-se a normas tradicionais; o tamanho das famílias diminui. Muitos casais se separam, e os filhos vivem em núcleos familiares que se modificam, convivem com novos adultos e crianças em casa. Homens e mulheres trabalham cada vez mais e só conseguem dar atenção direta aos filhos em horários específicos: à noite e nos fins de semana.

A sociedade do conhecimento nos abre um vasto campo de oportunidades de mudança, mas também de problemas e dificuldades. A sociedade nos educa. Ela é um complexo espaço de expressão de contradições, tendências que vão nos mostrando diferentes e contraditórias formas de pensar, sentir e agir.

Na sociedade atual, os meios de comunicação favorecem algumas profissões ou grupos: esportistas privilegiados, modelos, artistas de TV e cinema. Focam mais pessoas jovens, bonitas e bem-sucedidas. Há um claro deslumbramento com os bem-sucedidos em decorrência do dinheiro, do poder, do empreendedorismo, da beleza. Há uma motivação econômica no destaque de modelos jovens (vender produtos), mas com conseqüências que podem ser complicadoras: é difícil manter o corpo perfeito e sempre ser reconhecido como os famosos são.

Para muitos, aparecer, ser visto, é mais importante que ser; o que conta é como os outros os vêem, não o que são de fato. A mídia não dá importância ao cidadão trabalhador, ao pai de família, ao estudante, mas valoriza o excêntrico, o extravagante, o que sai da norma ou o que tem algum poder ou glamour.

Ao contrário da televisão, do cinema e das revistas, a internet permite que muitos apareçam, se mostrem e tenham sua página ou blog, em que contam seu dia-a-dia. O número de diários virtuais em blogs comprova claramente o atual crescimento do narcisismo das pessoas, principalmente dos jovens, que exibem cada vez mais fotos, vídeos e histórias da sua intimidade e participam de rankings de popularidade (blogs mais acessados, mais populares).

Um estudo feito por psicólogos com dezesseis mil estudantes norte-americanos, em 2006, chegou à conclusão de que os jovens da faixa etária de vinte anos que passam horas em portais como Youtube, MySpace e Facebook são muito mais narcisistas do que os da geração anterior. A geração atual seria menos capaz de criar vínculos emotivos e mais inclinada a perder o controle, além de ser mais vulnerável a se sentir excluída e insultada.

Por outro lado, crianças e jovens que se conectam mais, conversam mais e aprendem mais em rede são mais inteligentes e ágeis. Mais acesso à informação e a redes de comunicação não significa, contudo, necessariamente, maior amadurecimento emocional.

Apesar dos avanços fantásticos da ciência e da tecnologia, o desenvolvimento humano é bem mais lento e desigual. Há avanços contraditórios em todos os campos: na educação familiar e nas relações afetivas e profissionais. As relações entre as pessoas, com inegáveis progressos nos costumes, continuam carregadas de problemas, de jogos, de aparências, de interesses. Pais e filhos, mesmo com tanta informação, enfrentam dificuldades sérias para o entendimento, para um relacionamento produtivo. Existem diferenças de posturas: das permissivas, cheias de compensações e culpa, até as autoritárias, dominadas por imposições e falta de compreensão.

Há avanços reais quanto ao respeito entre as pessoas, à aceitação da diversidade de opções pessoais e sexuais, inclusive entre homens e mulheres. As mulheres ocupam mais espaços em todos os campos: profissionais, educacionais e institucionais. Ao mesmo tempo, há um grande descompasso entre a quantidade de encontros, trocas, relacionamentos presenciais e virtuais e o seu significado real. Com tantas possibilidades, redes, é difícil compreender a solidão e a crescente desconfiança das pessoas. A depressão aumenta, e a aparente comunicação também.

Configura-se uma contradição profunda entre as oportunidades de lazer, de viagens e de curtir a vida e a quantidade de pessoas sozinhas, deprimidas e com problemas. Há muito agito e muita solidão; muita efervescência em festas, bares, clubes e aumento de diversas formas de dependência e de drogas. E isso não acontece só no terceiro mundo. A insatisfação profunda é universal, é do ser humano. Sente-se perdido entre seus desejos e realizações, entre as cobranças e seus sonhos, entre a rotina e as fantasias, entre o que tem e o que poderia ter, entre suas escolhas e as várias não realizadas.

Existe uma tensão permanente e insolúvel entre a realidade vivida e a imaginada e desejada; entre o cotidiano – com sua carga repetitiva, pesada, monótona – e os sonhos mais profundos. O ser humano é sempre um insatisfeito; quanto mais tem, mais deseja; quanto mais avança, mais quer. Quer ser sempre jovem e feliz em todos os campos, mas a vida lhe vai mostrando as contínuas limitações: à medida que envelhece, torna-se menos bonito e forte; o sonho do amor perfeito se desfaz em vários relacionamentos, sempre imperfeitos e com perdas. Tem mais gadgets – internet banda larga, TV de 42 polegadas, celular multifuncional. Compra mais, satisfaz-se menos. Viaja muito e sempre volta ao mesmo lugar. Agita-se sempre e a insatisfação aumenta.

As gerações atuais são as que têm mais possibilidades de realizar o que desejam ou precisam em qualquer campo: informativo, educacional, profissional, de lazer, serviços, bens, tecnologias. São, em geral, mais consumistas, perdulárias e materialistas. Há, por outro lado, setores mais responsáveis socialmente, engajados, que valorizam mais o ser do que o ter; mais a qualidade de vida do que o acúmulo de riquezas. Mas são ainda minorias.

* Trecho do livro Desafios na Comunicação Pessoal. São Paulo: Paulinas, 2007. p.10-15.