quarta-feira, 3 de setembro de 2008

ENSINAR A PENSAR

Ensinar a pensar

Marise Nancy de Alencar

É mesmo de impressionar, mas após uma existência de milênios, a escola ainda comete, no dia-a-dia do exercício da sua função, equívocos que podemos considerar primitivos.

Educar, cuidar, informar e repassar legados culturais e sociais são tarefas da sociedade e, mais especificamente, de instituições que essa mesma sociedade criou. Sempre foi tarefa dos mais velhos, desde as civilizações mais antigas, por mais primitivas que fossem, repassar o que foi conquistado e aprendido, cuidando de que a memória, a unidade e a fisionomia de cada povo passassem na prova do tempo, sobrevivessem.

Falando-se de instituições, ensinar a pensar sempre foi, por excelência, a tarefa da escola. E aqui esbarramos em duas figuras primordiais: o professor e o aluno. Dois personagens principais de uma história que Ihes atribui funções bem definidas, ações determinadas e resultados esperados.

As ações são aparentemente simples, mas sua boa qualidade depende de um ingrediente insubstituível: a seriedade. Alunos e professores precisam levar seus papéis muito a sério. Isso é por demais óbvio, mas... peca-se muito no terreno do óbvio! Por isso mesmo, cabe seguir perguntando qual seria o real significado dessa seriedade quando se fala do trabalho do professor.

O professor planeja uma atividade, cria, decide-se por um recurso, organiza, informa, cobra, avalia, oferece oportunidades. Ensina e também aprende. E aprende porque é impossível fazer tudo isso e sair ileso, sem aprender nada. O que o professor aprende é o que deve alimentar e realimentar o exercício cada vez mais sério de seu papel.

Continuando na trilha do óbvio, perguntamos agora: e no caso do aluno, que papel cabe a ele? Perguntar, participar, querer saber, exigir explicações, pesquisar, ajudar, ser ajudado e, enfim, aprender. Aprender a saber, aprender a fazer, aprender a ser... No que tange à qualidade no desempenho desses papéis, seja qual for o caso, só podemos afirmar que houve ensino se houve aprendizagem.

Mas não crucifiquemos os mestres no calvário dessas responsabilidades, pois o peso de tamanha missão exige muitos outros ombros. O que elencamos vale para toda e qualquer relação social em que, de forma séria, ocorra a preocupação, o interesse ou a mera intenção de ensinar: pai e filho, empregador e empregado, mestrando e orientador, e por aí vai. Ensinar é verbo que só ganha sentido e só vira ação se for conjugado juntamente com outro: aprender.

E é inevitável ter de repetir: é preciso fazer tudo isso com seriedade. Comprometer-se até o mais alto grau para transformar a escola num espaço de excelência do pensar, do observar, da produção do conhecimento. Aluno pode e deve aprender para ensinar a quem ainda não sabe. Aprender para servir, para ser útil. Professor deve, acima de tudo, ensinar a aprender, aprender pensando.

Para ensinar bem, há que pensar bem. É preciso compreender esse dever de ensinar a pensar se a meta é ensinar com seriedade.

Sendo o pensar uma habilidade só dos humanos, na qual mostram sua individualidade, nós, da escola, precisamos nos ocupar devidamente dessa tarefa — ensinar a pensar, para o aluno se encantar com o prazer de descobrir e aprender.

E também pensar para ser livre, para tirar conclusões na linha do pensamento próprio, com crescente segurança, sabendo resolver pequenos e, depois, grandes problemas, sem a eterna dependência do outro, da mente alheia, para chegar ao ponto desejado. Pensar para avaliar se deu certo um projeto que requereu tanto tempo, atenção e energia; pensar e repensar como fazer melhor hoje o que se fez ontem; pensar para dignificar a espécie humana.

Os sinais que aparecem no dia-a-dia nos levam a entender que uma escola melhor, num futuro melhor, será o espaço de convivência e troca. Essa escola saberá, de fato, abrir espaço para o aproveitamento das vivências e experiências de todos. Será a escola das relações, lugar para o qual professor e aluno se sentirão sempre atraídos, cedendo à sedução de nela permanecerem com gosto e, em tempo, partilhando aquilo que já foram capazes de realizar.

Não haverá mais lugar para a escola em que os alunos não leiam, não escrevam, não falem. Alunos que não pensem e não aprendam. E o óbvio ocorrerá: escola existe como espaço onde se ensina e ponto final.

Fonte: Amae Educando – Fundação Amae para Educação e Cultura – junho/2007 – pág. 46.

Marise Nancy de Alencar é pedagoga, especialista em Alfabetização e Educação Infantil, coordenadora pedagógica do Colégio Logosófico González Pecotche (Belo Horizonte - MG).
Contato: marisenancy@terra.com.br

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